29.8.12

dias bons

O encontro foi inesperado. Somos amigos há nove anos sem que nada o pudesse prever, desde o 1º ano da minha segunda faculdade. Ele é mais novo quatro anos. Depois do curso, trabalhámos juntos em duas empresas diferentes e ficámos ainda mais próximos. Quando mudei para outro emprego, recheado de horas de labuta e poucas de vida própria, afastámo-nos. Por força das circunstâncias. Sempre que havia jantares, copos, cafés ou praia, eu estava encafuada na redacção, impossibilitada de estar presente. Nos dias em que conseguia sair a tempo, tinha um tal cansaço acumulado que só me apetecia sofá, filmes e séries. Sempre fomos desapegados das pessoas. Não no sentido de não estarmos presentes, de não nos importarmos, mas de telefonar pouco. Somos iguais nisso. E compreendemo-nos. Sempre me agradou que ele não fosse de cobrar: "Não dizes nada", "Não foste ao jantar", "Já não gostas de nós, agora é só o trabalho". Nunca gostei destas necessidades de atenção constantes que são uma forma de me castrar a liberdade. E uma imaturidade. Se não vamos a um qualquer sítio, é porque não estávamos para aí virados nesse dia e, à excepção de casos particulares, não significa coisa alguma, a não ser que não nos apetece ir hoje a esse café do costume.
Todos os anos, nos Santos Populares, ele e a namorada fazem uma espécie de arraial caseiro. Abrem as portas de casa, montam grelhadores na rua e convidam os amigos próximos. Sempre foi divertido. Em alguns ajudei a preparar a festa. Este ano, nos Santos, ele não me disse nada. Eu nem me lembrei disso. A decisão de me ter despedido do jornal ainda me esmurrava o estômago e não estava com vontade de grandes diversões. Só talvez para a festa dele. Talvez.
Dois dias depois do 12 de Junho o meu feed do facebook insiste em destacar tudo o que são fotografias da festa dos santos na casa dele. Na altura, talvez só tenha pensado que afinal ele deu a festa. No dia seguinte, o feed do facebook teima em mostrar as mesmas imagens. Comecei a ficar triste por não se ter lembrado de mim. Estávamos afastados, mas por força das circunstâncias, pensava eu. Afastados porque somos ambos desapegados. Mas depois, qual constatação de mulher sensível, vi pessoas nas fotografias que não lhe sabia próximas. E fiquei triste: "Nem se lembrou de mim".
Escrevi-lhe uma mensagem a contar como me sentia com o esquecimento. Mas que compreendia, que as nossas cabeças são iguais, e para combinarmos o tal café de que falávamos há meses. Não recebi resposta nesse dia. Nem nos seguinte quinze. Foi em Junho e nunca recebi resposta. À tristeza juntei mágoa e uma certa indignação.
Ontem, enquanto esperava por alguém no Marquês de Pombal, ele apareceu-me ao lado. Vindo do nada, meteu-se à minha frente, olhos nos meus, sem me dizer palavra. Fui eu que saquei o mote: "Estou lixada contigo", devo ter dito. "Eu sei", respondeu ele. "Não. Estou lixada contigo por não me teres respondido à mensagem". "Eu sei", diz ele, "Desculpa".
Depois de me contar que queria responder, mas que deixou passar um dia e dois, porque é difícil admitirmos que nos esquecemos de alguém que gostamos, e que quando deu por si já tinham passado semanas, compreendi que continuamos iguais. E que nunca deixámos de ser amigos. O esquecimento dele vezes a minha sensibilidade, resultou num mal entendido. O encontro inesperado, no meio do marquês, desencadeou uma tarde de memórias, confissões e, acima de tudo, de pertença. A semana ainda não acabou, mas sei que este foi o melhor dia.

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