É uma história triste, a deste governo, que empurra a evasão do Fernando Tordo com esta displicência. Mas mais triste seria se o Tordo cedesse à resignação, e optasse por definhar num país que retalha a cultura e aplaude Big Brothers e fait-divers. O que não aceito - como se todo este cenário, e as suas entrelinhas, não fossem suficientemente miseráveis - são as vozes rancorosas que se levantam, dedo em riste, debitando comentários insultuosos e pobres de espírito à decisão do Tordo. Que ainda há muito a fazer pela educação deste país, eu já sabia. Confrontar-me com o povo amargurado e sem capacidade de sonho em que nos estamos a tornar é que foi um murro no estômago.
Carta do João Tordo ao pai aqui
O Reverso do Avesso
19.2.14
11.7.13
Uh uh!
O levantamento do primeiro volume da enciclopédia está acabado! 900 páginas já foram, venham as restantes.
3.7.13
1.7.13
20 + 30 são 50?
Quando em Novembro de 2011 entrei na caixa dos trintões não pensei muito sobre o que a vida me guardava para a nova década. Tinha um trabalho que gostava muito, com boa gente e inteligente, mais crescidas, e que no dia de anos me foram lembrando que "os trintas são os novo vintes!" De tanto o ouvir, devia ter percebido que a lembrança não era um aconchego aos meus supostos dramas de entrar nos trintas, mas uma fuga para quem já lá estava há uns tempos. Aos 31 comecei a dizê-lo aos caçulas que acabavam de largar a casa dos vintes.
A frase podia ser perfeita para aconchegar os problemas existenciais de quem tem trinta anos mas ainda vive com a ajuda dos pais porque o ordenado, quando existe, não serve para pagar as contas, a casa, a gasolina, o médico e as saídas à noite. Mas é uma puta de uma ilusão barata. Aos 32 estou sem trabalho fixo, sem poder pagar as contas, a comida e as viagens para visitar a família. E só não vivo em casa dos pais porque a minha mãe me empresta um segundo apartamentozinho que comprou há uns anos. Nos 20, tudo isto era normal. Aos 32, faz-me sentir uma parasita e que só volto à minha condição de pessoa se emigrar. A questão é que eu não quero emigrar e resisto à minha expulsão do país enquanto salto na corda bamba. E verdade seja dita, nesta fase não sou a pessoa mais equilibrada do mundo.
Nos 30 as atitudes loucas e desapegadas dos 20 deixam de fazer sentido. Chegam a tornar-nos ridículas aos olhos de alguns. Se temos trabalho somos esfolados até ao tutano em troca do ordenado mínimo e, no meu caso, se nos recusamos a isso e procuramos uma década um pouco mais digna de memória somos vistos como a coitadinha que está desempregada, mais uma.
Tenho vergonha de fazer parte da extensa lista dos desempregados, e nem subsídio tenho. É muito bonito teorizar sobre o empreendedorismo e os negócios que gostava de criar, mas as burocracias exigidas a quem tem de pedir um empréstimo para avançar são desmoralizantes e, na maior parte dos casos, impossíveis de quebrar.
Aos 20 não me preocupava com creme anti-rugas, manchas do sol, peles que começam a ceder à gravidade e óvulos em menor quantidade. A falta de um ordenado decente levantou um muro de ferro a qualquer ponderação de ser mãe e eu, que ainda nem sequer sei se o quero ser por não me ser permitido pensar nisso, preocupo-me se poderei ser mãe algum dia. Aos trinta e dois, o país deu-me medo de sonhar porque é preferível matar expectativas do que levar outro murro no estômago. Esta confrontação é das coisas mais tristes que há.
Recuso-me a aceitar que os 30 são os novos 20 e que este país não tem trabalho para mim. Recuso resignar-me à condição de parasita quando tenho todas as capacidades, e vontade, de fazer um óptimo trabalho. E não posso voltar a estudar porque as propinas dispararam e eu não tenho recursos para as pagar.
20 + 30 são 50, certo; 30-20 dá 10; 20-30 = -10. Podia continuar até equações de 3º grau, mas nenhuma me cabe. E sim, não percebo porque não me posso queixar se até sou privilegiada no meio de um país que definha. De que é que isso me serve se não sei onde me encaixo?
A frase podia ser perfeita para aconchegar os problemas existenciais de quem tem trinta anos mas ainda vive com a ajuda dos pais porque o ordenado, quando existe, não serve para pagar as contas, a casa, a gasolina, o médico e as saídas à noite. Mas é uma puta de uma ilusão barata. Aos 32 estou sem trabalho fixo, sem poder pagar as contas, a comida e as viagens para visitar a família. E só não vivo em casa dos pais porque a minha mãe me empresta um segundo apartamentozinho que comprou há uns anos. Nos 20, tudo isto era normal. Aos 32, faz-me sentir uma parasita e que só volto à minha condição de pessoa se emigrar. A questão é que eu não quero emigrar e resisto à minha expulsão do país enquanto salto na corda bamba. E verdade seja dita, nesta fase não sou a pessoa mais equilibrada do mundo.
Nos 30 as atitudes loucas e desapegadas dos 20 deixam de fazer sentido. Chegam a tornar-nos ridículas aos olhos de alguns. Se temos trabalho somos esfolados até ao tutano em troca do ordenado mínimo e, no meu caso, se nos recusamos a isso e procuramos uma década um pouco mais digna de memória somos vistos como a coitadinha que está desempregada, mais uma.
Tenho vergonha de fazer parte da extensa lista dos desempregados, e nem subsídio tenho. É muito bonito teorizar sobre o empreendedorismo e os negócios que gostava de criar, mas as burocracias exigidas a quem tem de pedir um empréstimo para avançar são desmoralizantes e, na maior parte dos casos, impossíveis de quebrar.
Aos 20 não me preocupava com creme anti-rugas, manchas do sol, peles que começam a ceder à gravidade e óvulos em menor quantidade. A falta de um ordenado decente levantou um muro de ferro a qualquer ponderação de ser mãe e eu, que ainda nem sequer sei se o quero ser por não me ser permitido pensar nisso, preocupo-me se poderei ser mãe algum dia. Aos trinta e dois, o país deu-me medo de sonhar porque é preferível matar expectativas do que levar outro murro no estômago. Esta confrontação é das coisas mais tristes que há.
Recuso-me a aceitar que os 30 são os novos 20 e que este país não tem trabalho para mim. Recuso resignar-me à condição de parasita quando tenho todas as capacidades, e vontade, de fazer um óptimo trabalho. E não posso voltar a estudar porque as propinas dispararam e eu não tenho recursos para as pagar.
20 + 30 são 50, certo; 30-20 dá 10; 20-30 = -10. Podia continuar até equações de 3º grau, mas nenhuma me cabe. E sim, não percebo porque não me posso queixar se até sou privilegiada no meio de um país que definha. De que é que isso me serve se não sei onde me encaixo?
28.6.13
24.6.13
22.6.13
O Titó
Estou sentada na varanda da casa da minha mãe, de onde vejo o mar e a montanha. Um pouco abaixo, no Parque de Santa Catarina, ouvem-se os preparativos para o Festival Sons do mar, que acontece esta noite: Mónica Ferraz, André Indiana, Azeitonas e Rui Veloso. Se há incongruências na insularidade, são os quase inexistentes concertos durante o ano, e os poucos nomes excitantes de quem vem cá tocar. O Sons do Mar está na lista dos melhores. Há pouco, ouvia-se por todo o Funchal, como se o palco estivesse montado nesta varanda, o soundcheck do Rui Veloso. Lembrei-me do primeiro concerto a que assisti, à volta dos meus inocentes 8, 9 anos, e a cantar a plenos pulmões "não há estrelas no céu".
O meu tio, que vivia em Lisboa, vinha sempre à ilha no Verão e Natal. Nesse ano, comprou bilhetes para ir ao concerto do Rui - que em Lisboa a vida talvez fosse de correria ou de concertos internacionais - e levou-me com ele. O primeiro concerto de alguém deve ser momento para ser guardado para sempre, embora nem todos tenham a mesma sorte. O meu foi especial. É bom fazermos coisas pela primeira vez, em crianças, que não sejam sempre com os pais. (Mesmo que ele tenha sido um segundo pai.) O meu tio que gostava de música clássica, de poesia e de uísque. E do Rui Veloso, nessa altura. Na verdade, hoje que guardo toda a sua colecção musical, nunca lhe conheci nenhum disco do Rui Veloso.
Era Verão e a noite estava quente. O meu tio, barba e óculos à aviador. O concerto foi na Escola Francisco Franco, o espaço maior na altura para acolher eventos. Lá, também vi os Gene Love Jezzebel e os James, à volta dos 15 anos. O meu tio, nessa noite, tinha calças de ganga e camisa azul com riscas brancas. Lembro-me como se fosse hoje. O meu tio, coração enorme e SG Gigante encaixado nos dedos. Ficámos sentados no lado esquerdo do palco, numa espécie de bancada de anfiteatro e lembro-me de estar um pouco envergonhada para cantar à frente dele. Já noite dentro, voltámos para casa de táxi. O meu tio que sempre teve pavor de conduzir e só andava de metro e de táxi. Foi jornalista, professor e publicitário. Também foi maçador, muitas vezes. Nos jantares, quando os uísques já passavam da conta e dava-lhe para retrincar as empregadas dos restaurantes. Nunca gostei disso, a minha mãe também não. O meu tio, cultura gigante e mala camel de cabedal pendurada ao ombro. O primeiro a contar-me do Senhor do Adeus. O meu tio a abandonar a faculdade porque o meu avô não quis pagar o curso. O meu tio, anos mais tarde, a pagar uma casa para o meu avô viver quando este desterrou toda a herança. A secretária do Fernando Pessoa foi a primeira mesa de trabalho do meu tio, quando começou a trabalhar em agências de publicidade. A fotografia do Pessoa, assinada pelo próprio, pendurada na parede do loft onde vivia. (Agora, na parede atrás de mim, na casa da minha mãe).
Foi um acidente bruto que tirou a vida ao meu tio, no Saldanha, no lugar do Senhor do Adeus. O taxista morreu no momento. O telefonema do hospital à 1h da manhã. A minha irmã a sair da faculdade e a passar as tardes no Hospital de São José. A minha mãe e eu enfiadas no avião para passar os dias no hospital de São José. Depois, no Hospital da Cruz Vermelha. O meu tio esteve em coma oito meses e morreu no avião, ainda em coma, quando vinha para a Madeira ser acompanhado por um dos melhores neurologistas do país. O meu tio, o tio António, o Titó. As minhas imensas saudades.
Hoje não vou ao Parque de Santa Catarina como o resto da ilha. Há concertos que só devem ser guardados uma vez, recordados com a mesma história. O meu, felizmente, foi o primeiro.
O meu tio, que vivia em Lisboa, vinha sempre à ilha no Verão e Natal. Nesse ano, comprou bilhetes para ir ao concerto do Rui - que em Lisboa a vida talvez fosse de correria ou de concertos internacionais - e levou-me com ele. O primeiro concerto de alguém deve ser momento para ser guardado para sempre, embora nem todos tenham a mesma sorte. O meu foi especial. É bom fazermos coisas pela primeira vez, em crianças, que não sejam sempre com os pais. (Mesmo que ele tenha sido um segundo pai.) O meu tio que gostava de música clássica, de poesia e de uísque. E do Rui Veloso, nessa altura. Na verdade, hoje que guardo toda a sua colecção musical, nunca lhe conheci nenhum disco do Rui Veloso.
Era Verão e a noite estava quente. O meu tio, barba e óculos à aviador. O concerto foi na Escola Francisco Franco, o espaço maior na altura para acolher eventos. Lá, também vi os Gene Love Jezzebel e os James, à volta dos 15 anos. O meu tio, nessa noite, tinha calças de ganga e camisa azul com riscas brancas. Lembro-me como se fosse hoje. O meu tio, coração enorme e SG Gigante encaixado nos dedos. Ficámos sentados no lado esquerdo do palco, numa espécie de bancada de anfiteatro e lembro-me de estar um pouco envergonhada para cantar à frente dele. Já noite dentro, voltámos para casa de táxi. O meu tio que sempre teve pavor de conduzir e só andava de metro e de táxi. Foi jornalista, professor e publicitário. Também foi maçador, muitas vezes. Nos jantares, quando os uísques já passavam da conta e dava-lhe para retrincar as empregadas dos restaurantes. Nunca gostei disso, a minha mãe também não. O meu tio, cultura gigante e mala camel de cabedal pendurada ao ombro. O primeiro a contar-me do Senhor do Adeus. O meu tio a abandonar a faculdade porque o meu avô não quis pagar o curso. O meu tio, anos mais tarde, a pagar uma casa para o meu avô viver quando este desterrou toda a herança. A secretária do Fernando Pessoa foi a primeira mesa de trabalho do meu tio, quando começou a trabalhar em agências de publicidade. A fotografia do Pessoa, assinada pelo próprio, pendurada na parede do loft onde vivia. (Agora, na parede atrás de mim, na casa da minha mãe).
Foi um acidente bruto que tirou a vida ao meu tio, no Saldanha, no lugar do Senhor do Adeus. O taxista morreu no momento. O telefonema do hospital à 1h da manhã. A minha irmã a sair da faculdade e a passar as tardes no Hospital de São José. A minha mãe e eu enfiadas no avião para passar os dias no hospital de São José. Depois, no Hospital da Cruz Vermelha. O meu tio esteve em coma oito meses e morreu no avião, ainda em coma, quando vinha para a Madeira ser acompanhado por um dos melhores neurologistas do país. O meu tio, o tio António, o Titó. As minhas imensas saudades.
Hoje não vou ao Parque de Santa Catarina como o resto da ilha. Há concertos que só devem ser guardados uma vez, recordados com a mesma história. O meu, felizmente, foi o primeiro.
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